quinta-feira, 29 de maio de 2014

SOBRE A CRISE PROGRAMADA NAS TRÊS UNIVERSIDADES ESTADUAIS DE SÃO PAULO E O PROJETO DE PRIVATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR


O melhor entendimento do hoje nos faz necessário recorrer aos fatos do passado. A pergunta que devemos pensar é porque as universidades estaduais estão nessa situação. O que é necessário fazer para superar essa crise? Sempre a pergunta do que fazer nos assombra. Muitas dessas perguntas nós não pretendemos responder. Responderemos quem nos levou até aqui.

As receitas neoliberais para a educação em América Latina foram testadas e tomaram suas formas mais acabadas precocemente no Chile de Pinochet. Foi nesse país onde tais receitas foram mais amplamente aplicadas. Lá não existe educação gratuita. Os estudantes sem recursos precisam tomar créditos educativos oferecidos pelos bancos, seguindo o modelo estadunidense. O processo de endividamento compromete a renda familiar para muitos anos após a graduação. Este sistema foi motivo para as lutas do movimento estudantil no país.

Do outro lado da América Latina, um pouco antes, no Brasil, sob as rédeas da ditadura civil-militar passa pela mesma influência dos EUA. Começam as reformas educacionais com a parceria MEC-USAID, de 1965. Em especial, o ensino superior passa por uma crise devida à falta de vagas. Nesse período a orientação era voltada para vetor do “desenvolvimento econômico”. Assim cada etapa do ensino teria que atender uma necessidade. A escola primaria deveria capacitar para a realização de determinadas atividades. O ensino médio para a formação de mão de obra necessária para desenvolvimento do país. O ensino superior deveria ser para a preparação de mão de obra especializada para as empresas e para a formação de quadros dirigentes para o país. Ao mesmo tempo, tínhamos o movimento estudantil se reorganizando desde 1966 e em 1968,. Ele ocupou diversas escolas superiores e foi fortemente reprimido. Em 1965 a pós-graduação foi reestruturada.1969 é marco para a nova fase, estipulando “a educação que convém”, ou seja, voltada para atendimento do mercado de trabalho e produtivista. Com muita resistência, ainda fortemente influenciadas pela experiência europeia, os avanços do modelo “americanista” de educação brecam nas estruturas administrativas, burocráticas e organizacionais.

Em 1991, durante a “Cumbre de Presidentes” de América Latina e Caribe, iniciam-se as propostas conjuntas de integração curricular e projetos de intercâmbio. As palavras que permeiam esse período serão: “espaço comum de conhecimento”, “avaliação externa”, “intercâmbio”, “redes de integração de qualidade do ensino superior”. O léxico é claro e razoável, todavia isso para se desenvolver tinha como necessidade de homogeneização curricular e administrativa.

Paralelamente, as recomendações do Banco Mundial para superar a “crise do ensino superior”, em 1994, apresentavam quatro receitas básicas:

  1. Fomentar a maior diferenciação das instituições, incluindo o desenvolvimento de instituições privadas.
  2. Fornecer incentivos para que as instituições públicas diversifiquem as fontes de financiamento, por exemplo, a participação dos estudantes nos gastos e a estreita vinculação entre o financiamento fiscal e os resultados.
  3. Redefinir a função do governo no ensino superior.
  4. Adotar políticas destinadas a dar prioridade aos objetivos de qualidade e equidade.” (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 4)

A partir de 1994 começam a surgir nas instituições brasileiras de ensino superior Planos de Desenvolvimento Institucional que são, de fato, planos de metas avaliáveis. Em 2006 planos de desenvolvimento institucional se tornaram obrigatórios para universidades federais. Em 1995 temos mais uma Cumbre das Américas, no contexto das iniciativas de integração regional. Em 1996 é aprovada a LDB formulada e articulada pelos poderes executivos e pelo MEC, estabelece aqui os marcos legais recebimento de subvenções, doações, heranças, legados, cooperação financeira resultante de convênios com a empresa privada e a tão democrática organização de colegiados em 70/15/15.

Em 2000, e a partir dessas tendências apontadas, cria-se a Universia, uma fundação que recebe recursos do Banco Santander e hoje reúne 1.242 universidades de países de América Latina, Espanha e Portugal. Os eixos sobre os quais atua são: a força de trabalho universitário (aqui a palavra é “emprego”), a promoção de novas relações entre universidade e empresa (aqui as palavras são “inovação”, “desenvolvimento”, “competitividade”), as plataformas de ensino a distância (aqui a palavra é “novas formas de aprendizado”). As propostas da Universia para as instituições de ensino superior introduzem a linguagem empresarial às práticas universitárias: “liderança no desenvolvimento institucional”, “visibilidade internacional da pesquisa”. “inovação universitária”, “gestão da investigação”, “metodologia de rankings universitário”. Oferece bolsas e estimula o intercâmbio para estudantes, professores e pesquisadores.

No Plano de Desenvolvimento Institucional da Unesp, de 2009, podemos identificar claramente esse novo vocabulário, estabelecendo um plano de metas segundo esses eixos como critérios de produtividade. O Banco Santander está presente em todos os campi universitários públicos do país.

A crise programada, apresentada como uma falta de previsão na gestão e na elaboração dos orçamentos das três universidades estaduais de São Paulo, vem a calhar no marco da preparação do III Encontro de Reitores, de universidades públicas vinculadas à Universia, no campus da UERJ, em Rio de Janeiro, que será realizado em julho. Paralelamente, a proposta da Universia para a educação superior, aparece como uma receita privatizante bem amarrada para responder a esta crise.

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